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12 abril 2021

Serviços de inteligência, controle de narrativa e a Lava Jato

 


Uma coisa interessante sobre economia, é que não é incomum que aquilo que se convêm chamar de “livre mercado” seja na verdade uma dimensão muito específica de uma operação de inteligência de escala maior. Isso pode ser desde um projeto de pesquisa sendo financiado por algo como o Human Ecology Fund (uma fachada da CIA na Guerra fria) , ou o Kaiser-​Wilhelm-Institute – KWI (que suportou o Mengele em algumas pesquisas mais assustadoras do período, e era talvez uma fachada da SS). 

Aparentemente é financiamento privado de pesquisa mas ainda hoje num pós-guerra fria quando o uso de fachadas diminuiu, o financiamento privado por vezes na verdade é um contractor de algum governo. Na medida em que financiar desenvolvimento tecnológico sem governo,é meio fora da realidade, até o Starlink (relativamente autonomo de governo) se beneficia de tecnológia desenvolvida no contexto do DoD. 

Skeletons in the Closet of German Science | Germany| News and in-depth reporting from Berlin and beyond | DW | 18.05.2005

Unwitting CIA Anthropologist Collaborators: MK-Ultra, Human Ecology, and Buying a Piece of Anthropology | Cold War Anthropology: The CIA, the Pentagon, and the Growth of Dual Use Anthropology | Books Gateway | Duke University Press (dukeupress.edu)

Interessante é que nos dois casos  de financiamento de pesquisa, e em muitos outros as conexões são tão indiretas entre a estratégia nacional maior, e a ponta final; que as pessoas envolvidas costumam sequer ter ciência do que de fato está acontecendo, e qual sua função na engrenagem maior da qual fazem parte. Ou no mínimo não tem ciência do racional do por trás do que estão fazendo, e isso se traduz com o tempo em relatos confusos tipo o do John Perkins em “Economic Hitman”, sendo justo, tem algum tempo que li o livro – então é bem por alto. No livro ele se descreve como um consultor envolvido com projetos de construção pelo oriente médio, toda a narrativa é bem intricada, talvez uma consequência de um trabalho em que o cara cumpre missões, sem saber exatamente os “porquês”.

No geral a narrativa do Perkins gira em torno de contratos com construtoras americanas via embaixada no oriente médio...enfim é bem parecido com o que se tenta atribuir ao One Belt, one road hoje em dia.

E esse tipo de personagem, com histórias intricadas e meio surreais, é uma figura relativamente comum quando você começa a pesquisar sobre estruturas de inteligência e a operacionalização de estratégias de inteligência.  

Talvez  seja daí que venha muito do que é o imaginário em tornos das agências de inteligência hoje em dia.

Na sequencia uma perspectiva inicial sobre os pontos que o Le monde trouxe ao debate recentemente, colocando Lava Jato como peça em uma estratégia maior remontando aos tempos do Dick Cheney na Casa Branca.

"De um lado tem um set de interesses bem estruturados...do outro um idealismo perdido do judiciário BR, que acaba sendo instrumentalizado num vazio de coordenação da inteligência local...

Aliás a operacionalização de Inteligência no Brasil é historicamente  problemática, já que por tradição ela se limita a olhar para questões internas, e agrega pouco ou nenhum valor num contexto internacional.

Na prática é como se serviços desde o SNI até a atual ABIN tenham sido muito bons numa dinâmica de FBI (inteligência interna), mas por aqui nunca houve nada de Intel externa como a CIA.

Nesse modelo essas estruturas locais acabam lidando com problemas parecidos  aos de suas equivalentes americanas, o próprio FBI tem uma história conturbada em relação a perseguição de 'comunistas' dentro dos EUA, no mesmo período que o SNI implantava uma estratégia parecida no Brasil.

Mas pela propria dinâmica das estruturas de Intel americanas isso acaba contrabalanceado por uma defesa dos interesses nacionais vindas da CIA e do DoD( que em termos Intel tem alguma independência).

Nessa discussão da Le monde, tem muita coisa que é do jogo, mas pela inexistência de estruturas de intel o Brasil não soube se proteger...daí procuradores cheios de boa vontade, e na busca por um greencard/F1 são instrumentalizados para destruir a Odebrecht que em seu pico foi um maiores empregadores do Brasil...é tipo destruir a Boeing/Teledyne/Raytheon.... por fazer lobby.

O Brasil deveria ter o operacionalizado o Itamaraty para Intel externa, enquanto a ABIN...não se sabe para que serve, mas ao que tudo indica poderia ser internalizada na PF sem maiores prejuízos.

Poderia numa operação de contra inteligência relativamente simples ter contornado muitos dos problemas que a Lava Jato gerou e até mais recentemente ter evitado muitos fiascos gratuitos aos quais esse governo tem se exposto.

Intel interna e externa, são apenas algumas dimensões nas quais o Brasil é carente, um dos maiores problemas mesmo é o total vazio que ocorre quando se fala em cyber.

Por outro lado  pelas falas do generalato contextualizadas pelos currículos da ESG/ECEME, que parecem presos na década de 60, é difícil ver um quadro de mudança. 

A Marinha e a Fab tem um perfil mais técnico (parte da formação acontece em instituições civis), mas por hora carecem de direcionamento...interessante que alguns quadros até já possuem o background técnico que seria necessário, mas não encontram espaço dentro das forças.

 

“Lava Jato”, the Brazilian trap (lemonde.fr)


   Originalmente no Facebook Daniel Rodrigues Parente | Facebook "

Conforme menciono no post do FB as estruturas de inteligência, historicamente tem cumprido um papel confuso no Brasil. Mas se você olhar as questões internas dos EUA nas décadas de 40- 60, que envolvem desde perseguição de jornalistas e cineastas (na terra do tio Sam Disney Link To the F.B.I. And Hoover Is Disclosed - The New York Times (nytimes.com)), começa a ficar claro que direta ou indiretamente por aqui o exército importou um problema que talvez nem existisse (o foco não é se existia ou não, mas como o golpe de 64 se encaixava na estratégia global americana do período e refletia questões internas dos EUA) , mas no final das contas a manutenção do factoide e o fato do Brasil não ser mais um foco de preocupação para os EUA na década de 60...era interessante pra embaixada e pra estratégia global e até interna dos EUA em vigor naquele período [o texto sobre o W Disney dá uma boa visão sobre a dinâmica interna do FBI nos EUA]

Em geral tanto a esquerda quanto a direita brasileira, cinicamente ignoram a confusão global que era o mundo em 1964, e como o Brasil era peça secundária.

É interessante olhar brief presidencial americano, pra contextualizar o quadro global do momento.

Até pra contextualizar como a discussão da Guerra Fria aparecia na politica interna americana daquele período, e o Golpe no Brasil dividia espaço com a guerra do Vietnã em termos de atenção politica e midiática. Fora que era ano de eleição.

CENTRAL INTELLIGENCE BULLETIN | CIA FOIA (foia.cia.gov) para 1 de abril 1964
CENTRAL INTELLIGENCE BULLETIN | CIA FOIA (foia.cia.gov) para 2 de abril 1964
 
Nessas idas e vindas, o que quero estabelecer é que até recentemente muito da execução da estratégia de inteligência era em alguma medida se esconder jogando o enfoque em questões mais secundárias, do tipo se “existia ou não uma ameaça comunista no Brasil em 1964?”.. quando na verdade o que importava era o neutralizar o risco local, para focar na estratégia global e em alguma medida gerar conteúdo pra propaganda politica interna nos EUA.

Até que ponto a construção desse argumento tem origem autonoma no SNI, na embaixada ou propria mídia local no periodo? Carece de uma contextualização histórica, mas o Jango já vinha enfraquecido politicamente.

Com isso em mente dá até pra começar a visualizar, que o problema ai é mais uma questão de que na época os militares brasileiros assumiram que “sim existia uma ameaça local”, não por de fato haver uma ameaça, mas sim pelo que eles ganhariam seja na forma de poder, projeção midiática...e sendo militares pelo hype em torno da interação com a inteligência americana. Não importa o que é verdade, mas o que a narrativa que eles assumiam lhes dava. 


Essa dimensão mais humana por trás dos grandes eventos é interessante, porque até hoje essa disposição pra cooperar tem um papel importante no aliciamento de ativos pelas agências de intel (principalmente americanas[ palestra acima dá uma boa perspectiva]) Policing the Past: The CIAand the Landscape of Secrecy - Richard Aldrich - YouTube...

Transitando um pouco entre passado e passado recente, pra por em perspectiva até que ponto houve intel externa na lava jato.

Enfim o caso da Lava Jato descrito pela Le Monde é interessante porque você tem um judiciário que idealiza o sistema americano, com isso uma disposição pra cooperar, fruto de um soft power quase natural.

Em última instância qualquer impressão positiva, é soft power, isso gera uma abertura com efeitos econômicos interessantes. Seja na sua disposição de pagar para estudar nos EUA, - e pelo sistema de vistos atual, isso é pura transferência de renda de qualquer país para os EUA -  ou mesmo quando um país se alinha a outro por uma afinidade cultural, que não faz sentido economicamente.

Hoje é interessante  falar disso porque você viu o brasil, perseguindo um alinhamento econômico com os EUA, que girava em torno de um alinhamento cultural "soft power" (todo mundo viu os mesmos filmes, estudou nas mesmas universidades), mas no final das contas apesar de toda a tradição canavieira do interior paulista o Brasil ia acabar importando etanol americano feito à base de milho.Brasil renova tarifa zero para importar 187,5 milhões de litros de etanol dos EUA até dezembro | Política | G1 (globo.com)

Fala-se bastante em soft power, mas não existe uma preocupação clara em definir soft power, quanto ele rende ou mesmo quanto ele custa. 

Quanto o brand de Brasil perdeu em valor, e quanto a Coréia do Sul ganhou nos últimos anos? Essa comparação é interessante porque a produção e exportação de novelas [ e cultura de modo geral] é ponto importante nos dois países,mas isso tem se desenvolvido de modo mais eficiente no modelo de novelas curtas Sul coreano, que formou uma indústria e se profissionalizou [no Brasil tem a Globo e quase nada fora dela].

De modo geral, até para retomar o ponto principal: a inexistência de uma estratégia de inteligência externa custou caro para o Brasil, basta pensar que no seu pico todas as construtoras arrasadas pela lava jato figuravam facilmente nos maiores empregadores do país. E, bom, ainda que em alguma medida seja legítima a contenção de corrupção, faltou ao Brasil uma operação de contra-inteligência externa que conseguisse colocar em perspectiva até que ponto essa caça aos corruptos não estava sendo usada numa estratégia maior.

Chinese Methods for Industrial Espionage - YouTube Nessa questão da estratégia maior tem uma perspectiva do operacional disso no contexto da China a partir de 13m até 30m.

Essa questão de China é interessante porque a operação de Intel desde o fundamento,na diretiva do partido, tem foco na geração de valor economico, mas quando vocé olha falas de operativos do UK/US o foco é em defesa e segurança nacional e a dimensão de geração de empregos só aparece quando discussão chega ao congresso, com o lobby em torno das fábricas e de empregos. Enfim são diferentes modos de pensar o uso de intel.

A panel on espionage - The New Yorker Festival - YouTube Chamaria atenção pras falas da Stella( ex diretora do MI5)que reflete essa questão de segurança nacional, e UK é um arcabouço regulatório mais replicavel. 

Pensando num possivel desenvolvimento no Brasil o modelo de intel Chines com foco economico faria mais sentido por aqui.

No caso americano ,por eles já controlarem o sistema financeiro ( ver a sanção que o DoJ aplicaria na Odebrecht (conforme texto da Le Monde) , e vem aplicando em executivos chineses) isso dá margem para as estruturas tradicionais de intel ignorarem essa dimensão, já que o próprio DoJ tem capacidade de executar isso

 How Donald Trump has targeted Chinese companies with executive orders, sanctions | South China Morning Post (scmp.com) - Descreve as sanções à empresas chinesas sob Trump. o Biden tem focando o uso das sanções em indivíduos (caso da Carrie Lam Cheng Yuet-ngor citado nesse texto), geralmente diretores dessas mesmas empresas (o que em temos de discurso, é mais administravel do que a perseguição estrita que o Trump vinha tocando).

Os países precisam de estruturas que lhes permitam entender por que as dinâmicas globais estão se desenvolvendo de determinado modo, quais os sets de interesses envolvidos, até para que possam direcionar as discussões num sentido que lhes seja favorável. E históricamente a inteligência externa tem atuado nesses gaps.

É fácil hoje para o Brasil e para França (afinal o Sarkozy também tá preso hoje em dia[acho que por uns motivos mais aleatórios]) quererem buscar um inimigo externo, mas tem muita coisa no texto da Le Monde que é natural ao jogo político entre nações, mas para as quais o Brasil não estava preparado, afinal pra além da questão quanto a se existia ou não uma coordenação de intel externa no desenrolar da Lava Jato... o fato é que a estratégia só avançou porque encontrou espaço numa galera mais jovem do judiciário, e ao que parece não tinha ninguém pra colocar isso na perspectiva de que os EUA vinha numa estratégia maior de guerra ao terror, e proteção as empresas americanas desde 2001 e do governo Bush/Cheney.


Ponto interessante que a Le Monde deixa de fora, que talvez tenha tido um peso importante é a relação que o Lula vinha desenvolvendo com o Ahmadinejad em 2009. Pelo curso que a história tomou de lá pra cá, talvez o peso dessa interação tenha sido maior do que a se poderia mensurar na época. Fica um questionamento se GSI/ABIN/ITAMARATY tinham alguma estratégia nessa relação naquela época?

Lula recebe Ahmadinejad em meio a polêmica - BBC News Brasil 

Com mais detalhes do governo Bush/Cheney se tornando públicos nos últimos anos, fica claro que pelo background de DoD-Halliburton o Cheney era bem ativo na operacionalização de intel nesse periodo, com o foco em oriente médio.

 

Por mais que eu adore Night Train to Munich(1940), The Ambassador(Morris West)... uma parte importante do trabalho de intel hoje é o controle da narrativa de modo a gerar esses efeitos soft power, seja a CIA negociando com editor de revista como vai ser a cobertura dada ao Venture Capital deles (In-q-tel) Gilman Louie: In-Q-Tel andFunding Startups for the Government - YouTube, ou ainda  promovendo discussões internas em relação a como eles aparecem em hollywood e decidindo assumir uma posição mais cooperativa[Palestra no primeiro video], essas são hoje as faces mais visiveis ( e razoavelmente bem aceitas) das operações de intel, em contraponto ao modelo mais 007. [o controle da narrativa]

Em outros termos:é mais Vice (2018) que qualquer 007. Em termos de conduzir o debate e a narrativa de modo mais palatável. 

É claro que as interações CIA-Mossad para coordenar eventos no Iran ainda estão aí, mas sobre essas ninguém fala publicamente. 

IranianNuclear Scientist Mohsen Fakhrizadeh Killed By 'Terrorists,' Iran Says : NPR

Qasem Soleimani: US kills top Iranian general in Baghdad air strike - BBC News

De modo geral o problema do Brasil não é a interferência americana, mas sim o fato do Brasil não estar preparado para lidar com essa interferência.

Em outras palavras, num exemplo mais direto, por quê e como  o DoD consegue defender publicamente um contrato de defesa que é irracional (Nuclear disarmers can’t forget the communities that rely on military spending - Bulletin of the Atomic Scientists (thebulletin.org)) enquanto aqui no Brasil... 

o que resta da indústria de defesa emprega muito pouca gente (o que resta da Odebrecht Defesa – Atual SIATT – emprega por volta de 100 pessoas...em EUA qualquer contractor médio deve gerar pelo menos uns 10mil empregos) 

 ...quando isso chega no debate público tudo caminha para conservadorismo fiscal?! Bom, muito disso passa pelo controle da narrativa no debate público, que no caso brasileiro do exemplo inexiste , mas o pessoal da Lava Jato soube usar isso.

SIATT na TV Vanguarda - YouTube

Defense Primer: Department of Defense Contractors (fas.org) 

O UK em termos de proporção ainda é um pouco menor,em relação ao US mas esse relatório dá uma perspectiva interessante do setor por lá. E é mas fácil achar dados consolidados por lá

Defence and Security Industrial Strategy (publishing.service.gov.uk) 

Essa estrutura dos contractors, é interessante porque mesmo extrapolando o DoD (algumas mais especificas acabam sobre outros departamentos como o DoJ) umas boas parcelas do budget dos serviços de Inteligência, por baixo uns 30% acaba em intel outsourcing logo acaba sendo mais verba do budget para defesa/complexo industrial militar por fora do DoD.

(1) Are the CIA, DIA, NSA, etc. under the Department of Defense, or under some non-military governmental agency? - Quora

 

Home (intel.gov) --Hub Oficial

 

Ainda no âmbito de direcionar as discussões globais num sentido que seja favorável ao Brasil, dependendo de como a dinâmica EUA/China caminhar nos próximos anos é interessante que o Brasil esteja preparado para lidar com interferências externas, e mesmo tirar vantagem das dinâmicas confusas que emergem nesses desequilíbrios globais, e aqui a Suíça talvez seja o caso mais clássico de ter sabido se posicionar em momentos de confusão global, pra conseguir capturar algum upside...turns out that being neutral was a good business back then, mas o Brasil vai precisar de estruturas de intel pra conseguir entender o que tá acontecendo e capturar algum gain nas dinâmicas globais.


Por fim deixo essa conversa, que mesmo não diretamente ligada a intel, passa um pouco pelas discussões que rodeiam o tema. E fala um pouco de como essa dimensão de intel é importante para uma estratégia nacional, até pelo progresso gerado pela competição entre países.  Em outra dimensão dá pra ver um pouco da militarização do espaço  que está em curso atualmente, tanto em China quanto em EUA.

08 abril 2017

A divergência entre fiscalizados e fiscalizadores



Assistir palestras acaba um sendo um passatempo bem acessível nesses tempos de youtube. E eis que hoje vendo um debate entre Suplicy e Olavo de Carvalho, começa a ficar bem claro o que está acontecendo no Brasil. É um período de transição, alguns que outrora teriam sido intelectuais de referência na cena nacional, começam a evidenciar que estavam apenas aplicando sua própria interpretação do mundo nas suas análises, que provavelmente estariam altamente expostas a tornarem-se politicas públicas em outros tempos. O que não se configura como um problema, já que usualmente a lógica é “tem-se um problema, algum intelectual pensa esse problema, e desenvolve uma solução”. A grande questão fica mesmo evidente quando se percebe o quão descolado da realidade essa análise é, e por consequência fadada ao fracasso. Olhando a fundo,traços desse raciocínio podem ser percebidos em toda a legislação brasileira, que inúmeras vezes é a perfeição social-burocrática em si própria, mas totalmente inaplicável.

Daí faz sentido entender o grande medo que assola o empresariado brasileiro, e talvez o porquê de haver uma certa associação indireta entre essa classe e a direita brasileira. Já que esquerda, está rodeada de especialistas desse tipo [aquartelados nas universidades e distantes da realidade], o que talvez lhes tenham proporcionado uma certa vantagem histórica, na medida em que o discurso com certa base acadêmica, em sua essência tem maior peso social, isso associado as respostas simples capazes de uma engajar uma classe artística sem grande profundidade intelectual
num período de claras desigualdades na sociedade brasileira(em especial o período marcado pela estagflação até o inicio dos anos 2000). E de um modo geral, temos esses quadro de atores e interesses confusos,nos trazendo a esse período de transição contemporâneo.

Desde os anos 2000 a economia brasileira sofre uma acelerada transição, do “faz aí”, para uma geração que cada vez mais se volta a pensar em “como fazer, para então fazer”. Ao mesmo tempo, a elite que conseguiu ascender em meio ao conturbado período pré-anos 2000, se consolidou, e agora os filhos desses indivíduos, junto com alguns incríveis casos de superação do contexto social volta ao Brasil, trazendo na bagagem um background com o melhor que as Ivy-Leagues lhes puderam oferecer. Essa geração quer ocupar o seu espaço, e é aí que vão surgindo os Ségio’s Moro’s ou Deltan’s Delangnol’s. Vai sendo evidente, por uma simples análise de currículo, a diferença no capital social acumulado por esses indivíduos, e a atual classe politica brasileira, que construiu seu capital social, num cenário distante da consolidação dominado pelo “faz aí”. Enquanto que aqueles regressando das Ivy das Leagues construíram seu capital social num contexto já consolidado, e por consequência onde o “faz aí” já estava superado.

Não é que um vá estar mais certo do que outro, a questão chave é que construções individuais diferentes vão gerar perspectivas diferentes. Logo temos réguas diferentes, entre fiscalizadores e os fiscalizados. E como a tendência é que os fiscalizadores cada vez mais construam seu capital social num contexto já consolidado, os embates tendem a ser cada vez mais intensos entre as duas classes. A classe política será, pela essência do seu modus operandi, mais lenta no que se refere a absorver esses indivíduos que absorveram o capital social num cenário consolidado. Aqui enfocamos, na acumulação de capital social em cenários consolidados e  não-consolidados, mas cabe pensar que por hora o Brasil ainda vive a transição, então até que o país esteja consolidado teremos ainda a acumulação de capital social num cenário intermediário.