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27 outubro 2017

O Estado é apenas um consumidor gigantesco


O texto a seguir surge de conversas pela internet, sem maior rigor. Porém é interessante no sentido de construir algumas intuições quanto ao papel do Estado ,e do crescimento no longo prazo.


Meu interlocutor aborda a questão de que “não é o consumo a alavanca do crescimento e do emprego, mas o nível de poupança”

Essa discussão do consumo X poupança, é basicamente uma discussão de crescimento a curto prazo (geralmente 1-5 anos), e crescimento de longo prazo (50-150 anos). O modelo que trabalha bem isso, é o modelo de Solow. Pensando no longo prazo acabamos em algumas discussões interessantes, como o estado estacionário (um ponto a partir do qual a renda não aumenta mais); a golden rule (que seria o equilíbrio perfeito entre consumo e poupança); e ainda quanto a de quem é a poupança. No Brasil por exemplo como os salários são baixos, e as empresas pouco eficientes em gerar reservas (já que nenhuma cria valor do zero, sem investimento não humano), muita gente vai argumentar que a poupança deve ser feita pelo governo.

Mas ainda sobre o estado estacionário, esse ponto é interessante já que quando uma economia atinge esse estágio, toda formação de poupança se destina unicamente a cobrir a depreciação. Daí quando se objetiva promover um aumento do produto altera-se o nível de poupança, daí vai levar mais uns 50 anos até atingir um novo equilíbrio estacionário.
E assim você vai regulando, o nível de produto. Mas essa discussão de longo prazo é bem viva, porque nessa perspectiva, impressão de dinheiro já não faz mais a menor diferença no nível de produto. O que acontece no curto prazo, é que entre imprimir, e isso ser consumido pelo ajuste de preços, tem um intervalo que permite o ganho de produto.

No longo prazo política monetária não faz muita diferença. Mas a grosso modo isso é uma discussão bem acadêmica, já que não se tem o que fazer de uma perspectiva de política monetária ou governamental, para atingir aumento de poupança, se não gerar o aumento da renda agora.

Alguns governos tentam, via estruturas previdenciárias gerar poupança..., mas como esse dinheiro acaba controlado pelo governo a alocação dele acaba sendo de baixa qualidade.
O que é interessante na perspectiva em que os maiores fundos de investimento do mundo hoje, são fundos previdenciários, ou governamentais. Você começa a procurar por exemplo alguns fundos de investimento de professores canadenses, e vai ver que são gigantescos. Numa outra ponta Singapura por exemplo tem o GIC, que é até um caso que funciona bem, com uma carteira 100bi USD.

Meu interlocutor me indaga quanto ao modo como eu e toda a ciência econômica “estabelece o centro de gravidade: sol, ou melhor, o estado”

Sim, sim, mas sendo bem sincero eu não estou olhando para o estado como o ESTADO ideológico político ou qualquer coisa desse tipo, mas sim como um consumidor gigantesco, que é responsável por um consumo de cerca de 30 porcento dentro de uma sociedade. De modo que quando eu controlo esse consumidor eu controlo a economia[considerando a dinâmica do multiplicador keynesiano].
Tirando o estado da equação, é uma coisa..., mas não existe economia enquanto ciência se você não tem como executar qualquer planejamento... e hoje o canal de execução é o estado, esse consumidor gigantesco [pela via fiscal, ou ainda pela via monetária].

Uma coisa é o seu Joaquim tentando definir o preço da saca de soja, outra coisa é uma empresa como a Bunge tentando. Um deles invariavelmente é grande o suficiente para conseguir, pelo menos em nível local.

Meu interlocutor constrói uma lógica sobre o papel da economia, como ferramenta de controle da sociedade. E define esse controle como impossível.

As pessoas agindo em bando, são bem previsíveis e é o que a economia tenta entender.

Meu interlocutor constrói uma lógica para justificar o livre mercado sobre as bases da microeconomia racional, numa perspectiva simplista.

A microeconomia é bem mais complexa que macro, tanto em nível de modelagem matemática quanto a própria teoria em prosa, tanto que o ultimo Nobel foi justamente sobre um paradoxo em micro. É mais difícil analisar a decisão individual do que a decisão coletiva, e olhando nessa lógica é mais fácil acertar em termos de macroeconomia do que de micro.
E se você olha para a atuação do FMI, e do próprio FED americano, você começa a entender isso.
Não dá para controlar o ambiente microeconômico, só o macro.

Mas no geral esses pontos, são chave em termos de a economia transitar dos estágios de pseudociência para ser de fato uma ciência.
E a noção da economia como ferramenta de controle, é muito no sentido de que uma ciência serve para entender e controlar, como algo funciona.
Caso contrário uma equação para definir a trajetória de um projetil em física é inútil. A função de uma ciência é modelar o mundo real e me dizer o que vai acontecer. Antes de acontecer, ou seja, sem os custos envolvidos no evento acontecer.

Meu interlocutor constrói um exemplo onde a atuação governamental ao construir um empreendimento com o dinheiro coletado da sociedade é menos eficiente, em termos de geração de renda a nível local, do que se o dinheiro simplesmente não fosse coletado e os próprios agentes definissem sua destinação. Isso considerando que ao não ter pleno conhecimento sobre as variáveis envolvidas, eu não sei o que aconteceria, caso o estado simplesmente não interferisse.

Aí você está colocando a sociedade dentro de um jogo de probabilidades. A chance de digamos...mil pessoas conseguirem sentar numa tarde qualquer de domingo para se organizar e construir um empreendimento que vá gerar emprego... ou uma única entidade chegar e fazer o empreendimento.
O que pode acontecer é que a própria sociedade organize essa entidade..., mas nesse processo a atuação da entidade é a mesma do governo, então novamente eu formei um consumidor gigantesco, que para desenvolver no modelo Z=C+I+G... pode não ter o nome de governo, mas age como governo.
Quanto as mil pessoas conseguirem sentar numa tarde domingo e se organizarem entre si, como indivíduos privados...eu diria que é improvável.

Meu interlocutor estabelece que nas revoluções industriais vários indivíduos atuaram como indivíduos privados

Não sei muito sobre revoluções industriais, mas de certo modo você tem sim algumas entidades que centralizam o poder, ou o capital. Podem não ser o Estado, mas existe concentração de poder e capital.
E quando eu falo em concentrar poder e capital é basicamente o que o Estado tenta fazer.

Os mercados financeiros, são basicamente uma tentativa de concentrar capital, então no fim das contas ao invés de pedir dinheiro para mil pessoas você pede o dinheiro para o gestor do fundo com o dinheiro dessas mil pessoas. No fim das contas esse fundo assume a função de mega-consumidor.

Falando por alto, na revolução industrial você forma uma elite que concentra muito capital...então pode até não ser estado, mas o modo dela agir é muito comparável, a figura do estado como consumidor gigantesco.
No México surgem umas questões desse tipo com o consumidor gigantesco, na figura do Carlos Slim.
E de fato, retomando algumas discussões anteriores, se eu consigo formar um consumidor grande o suficiente para bancar os custos de engenharia de um foguete eu não preciso do estado, a questão é que é difícil formar esse tipo de agente.
Nos EUA você vai ter figuras como o Rockfeller e o JP Morgan...no Brasil você tem a Petrobras....
Hoje no mundo o Wal-Mart é maior que a economia de alguns países, e deve ter mais facilidade para captar dinheiro que alguns países

A diferença talvez, é que a cada 4 anos a sociedade quer ter noção de que escolhe quem controla o seu Wal-Mart.