Depois de 2017 a apatia em relação ao mundo tornou-se o
caminho mais viável, no que se refere a se manter são no meio de toda essa histeria
coletiva em que o mundo vai mergulhando. As pessoas se esqueceram de si e abraçaram
cegamente ideias vazias. Na cena política a racionalidade saí de cena e dá espaço
a voz do povo, e quando penso nisso me lembro do John
Oliver nesse segmento.(Em especial os 3 primeiros minutos)
Aqui no Brasil abraçamos uma disputa entre libertários e
comunistas, olhando para os EUA da Guerra Fria. Assumimos que por ser nos EUA
era certo, a verdade é que hoje fica claro que nem no auge da Guerra Fria essa
perseguição aos comunistas fazia sentido. A URSS, teria colapsado de qualquer modo,
mas aqui insiro uma perspectiva que venho construindo...o capitalismo em uma de
suas contradições fundantes, ao tornar o valor em um elemento autônomo, consegue
tomar para si eventuais êxitos. Mas quando o capitalismo falha, a culpa não
recaí sobre o capitalismo, a culpa recaí sobre a origem do valor, que é o
próprio trabalho humano.
Na estrutura atual do capitalismo o valor atinge tamanha
autonomia, que começamos a pensar que uma sociedade pode atingir tal nível de
especialização a ponto de deixar de lado as pontas efetivamente produtivas da
cadeia industrial, assim os pequenos valores que seriam agregados ao longo de
um processo produtivo, acabam terceirizados, e um país como os EUA acaba condenado
a especializar-se na produção de P&D. O que em princípio pode até parecer
interessante, só que tamanha especialização produtiva é por si só excludente.
Por mais que o P&D tenha o potencial de gerar grandes
massas de valor per capta, isso não é interessante num contexto em que esse
valor não se distribui uniformemente na sociedade, no contexto da terceirização
dessa ponta produtiva.
Podemos pensar em algo como a indústria de semicondutores,
que acaba sendo um exemplo interessante justamente por podermos olhar para casos
como NVIDIA e INTEL. O que acontece agora,
é que nos EUA equipes relativamente pequenas produzem grandes massas de valor.
NVIDIA, AMD e mesmo Qualcomm são basicamente Powerhouses de P&D, o problema
surge quando pensamos no ciclo produtivo desses produtos. Nos EUA é definida a
arquitetura do processador, uma grande massa de valor é absorvida por um
pequeno grupo de cientistas. É ótimo, o governo incentiva, e até mesmo financia
isso. O problema é que a parte do processo produtivo que efetivamente gera
valor pra sociedade e não apenas pra um grupo específico de pessoas é a
produção dos pequenos valores no processo fabril.
Quando as grandes massas de valor , e as pequenas massas de
valor se distribuem em diferentes geografias você gera como um subproduto
sociedades disfuncionais, como os próprios EUA da atualidade, com seu quadro de
desigualdade interno, e as mudanças em direção a uma sociedade de pequenos gigs,seja
para a Amazon em seu novo modelo de delivery ou para UBER.
Mas para que uma sociedade funcione sem gerar grandes quadros
de desigualdade ela precisa conseguir comportar a geração das grandes massas de
valor, junto com as pequenas massas de valor sem abrir mão de uma ou outra. E eu
particularmente adoro esse ponto porque me permite trazer aquela metáfora de Metropólis
(1929) de que Heads and Hands precisam estar juntos.
Fica meio óbvio que eu entendo heads como os trabalhos de
P&D e Hands como os trabalhos de colarinho azul, mas um ponto que é
interessante é que o filme desenha todo um cenário em que essa relação se torna
disfuncional sem um intermediário. Ainda na metáfora esse intermediário é o
coração.
É um filme do fim dos anos 20, então é um contexto em que as
revoluções industriais ainda são bem recentes. Um cenário em que comprador e vendedor
da força de trabalho tem direitos conflitantes. Assim emerge o coração, na
figura do Estado, para intermediar essas relações trabalhistas, pela força que
só um ente como pode ter.
Mas agora de volta aos semicondutores uma empresa como a Intel
ainda é bem verticalizada, e talvez seja o único motivo para os EUA ainda manterem
certa relevância na ponta fabril dos semi-condutores [ isso se você considera a
Costa Rica como os EUA]. Para além da Intel todas as outras empresas que
produzem chips nos EUA, fazem isso com litografias mais antigas.
Aqui a perspectiva é mais de jogar ideias ao vento, mas
colocando tudo junto a pergunta que fica é se o coração deve incentivar uma estrutura produtiva como a Intel
em que grandes e pequenas massas de valores são geradas em uma mesma geografia?
Ou algo como a NVIDIA em que toda a parte fabril acontece na TSMC em Taiwan?
Perceba que agora o papel do coração/ESTADO, já é um pouco
diferente.
O que a voz do povo na figura desses libertários inconsequentes,
tá fazendo agora é se eximindo de influenciar essa decisão. E o mercado vai acabar
se viciado em gerar sociedades disfuncionais com gigantescos bolsões de
desigualdade.
Para nós brasileiros essa coisa de se especializar só na
produção da grande massa de valor é algo comum, porque se pensamos na nossa história
de monocultura, era exatamente isso que tínhamos; senhores de engenho com mais
dinheiro, do que sabiam como gastar, e o resto da sociedade vivendo ao redor
deles.
Se formos
por essa lógica dá até pra pensar se é o Brasil que tá virando os EUA, ou se
não é exatamente o contrário.
Nesse jogo temos ainda Ásia correndo por fora com a China.
Quando a galera olha pra China, geralmente se desenha um contexto de Taiwan X
China, mas olhando mais fundo essa coisa fabril, que é a marca da china hoje
foi construída com capital Taiwanês. Umas
primeiras plantas fabris a se estabelecer em Shezen foi a Foxxcon, de capital Taiwanês.
E vale lembrar que o fundador
da Foxxcon tem seus interesse governo de Taiwan. Do outro lado a china
tá fazendo benchmark em Hong Kong do que deve ser a integração de Taiwan. No final, intencionalmente ou não, no
final a China vai fechar o ciclo de Heads and Hands together intermediadas pelo
coração, e se consolidar como a maior economia do mundo, o que ela
já eh se pensarmos PPP (https://rwer.wordpress.com/2019/08/24/the-u-s-economy-is-not-the-worlds-largest/?fbclid=IwAR35FYoqNQX0HTdF-fH8p_wkrXBVUCo1_4xYeEnyuDN8EYOovclIzXeN-0U).
O interessante disso tudo é o que o auge da prosperidade
americana foi na década de 60, momento em que com todo o esforço da indústria
militar o Estado esteve bastante presente, via Pentágono, intermediando as
relações entre grandes e pequenas massas de valores.
Aliás
esse cinismo que nossos libertários inconsequentes tem em relação aos EUA, talvez
seja justamente porque lá expansão fiscal se faz via Pentágono, e não BNDES. Não
tem JBS, não tem Porto em Cuba. Mas tem General Dynamics, tem Lockheed Martin, Boeing, GE...tem destruição
e reconstrução do Oriente médio.
Enfim, independente de em qual setor um país busque se especializar
ele tem que conseguir ao longo desse setor abarcar todas as camadas da
sociedade.
E aqui vai um outro problema, Brasil e EUA não fazem sentido
enquanto unidade social. SUL/Centro-Oeste tem suas ambições em agro e São Paulo
tem lá suas ambições indústrias, em nível macro são ambições que vão acabar conflitando. Talvez esse
próprio modelo de países grandes demais precise ser repensado nos próximos séculos,
se a globalização continuar nos levando nessa linha de especialização que temos
hoje.
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