17 agosto 2021

Dinâmicas do Oriente médio e Afeganistão

 O ano é 2021 e o Afeganistão reaparece no noticiário, a última vez que se fez menção a tal país foi ainda no pós 2001, uma menção tão secundária que ainda nos dias de hoje a distinção entre Iraq e Afeghnistan não é clara para muita gente.

Numa recapitulação dos eventos.

Após a queda das torres gêmeas os EUA se engajaram em dois países na região do oriente médio/ásia central.

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No Iraq o objetivo é derrubar Saddam Hussein, numa operação de inteligência que ficou famosa por não ser muito eficiente. Já que a tese na qual a operação se baseou, era relativa à existência de armas químicas, que já não existiam mais no momento da invasão. No Afeganistão o objetivo era controlar a Al-Qaeda, que tinha uma ligação histórica com a região remontando as guerras com a União Soviética.

Como os EUA sabia das armas químicas?

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Anos antes, esses dois países estavam em guerra, como o Iran já era um problema antigo dos EUA remontando a revolução, os EUA suportaram o Iraq nessa guerra, daí até hoje se acusa os EUA de terem fornecido a tecnologia de armas químicas para o Iraq (é uma especulação frequente nesse tópico).

Na real eram empresas alemãs, mas pelas dinâmicas internas da Alemanha do pós-segunda guerra é dificil apontar com clareza qual o set de interesses no forncecimento de Gás mostarda (entre outros itens) pro Iraq nesse periodo.

Iran pursues German companies that gave Saddam Hussein chemical weapons – People's World (peoplesworld.org)


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Iranian Revolution - Wikipedia

Iran hostage crisis - Wikipedia

Iran–Iraq War - Wikipedia

Ponto interessante para entender as dinâmicas da região, e superar a ideia de que é tudo por causa de petróleo...é entender que as pessoas acreditam na religião, e a legitimidade das figuras monárquicas da região emerge desse elemento teocrático.

Assim dá pra começar a entender que, sim, as motivações ocidentais são principalmente petróleo e contratos militares trilionários, mas na média as pessoas acreditam bastante naquilo pelo qual estão se dispondo a morrer. E essa é uma questão que se perde fácil, fácil em qualquer approach midiático, sobre a região, seja falando sobre o Hamas,  Fatah e agora sobre o Taliban.

Já chegando na questão Afghan, o seguinte trecho dá uma dimensão da construção de legitimidade na região.

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Se a região já é complicada, o Afghanistan em si é ainda repleto de peculiaridades. 

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Ao Norte os soviéticos, a oeste o Iran (epicentro Shia), ao sul o Pakistan que geralmente serve de proxy para a Saudi Arabia (epicentro Sunni). E mais recentemente a China se tornando um outro epicentro de poder.

Tem vários modos de explicar essa questão Shia-Sunni. Em termos de história Islâmica, o Islã começa na península arábica, num momento que o atual Irã, antiga Pérsia, ainda seguia a tradição zoroastra.

As cidades sagradas islâmicas são no KSA (Kingdom of Saudi Arabia), e esse elemento junto com o suporte financeiro que Riyadh oferece para a região, concede legitimidade a liderança que o KSA exerce no mundo islâmico. [Um ponto é que na época não existiam as fronteiras de hoje, daí emerge a importância de Jerusalém...teorias mais recentes, e não muito aceitas também atribuem uma razoável importância a cidade de Petra na Jordânia].

Texto, Carta

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Calling Iranians “Descendants of the Magi” Is Actually a Compliment – LobeLog

Ainda tem uma infinidade de tópicos possíveis de serem abordados,mas acho interessante entrar na questão Afghan logo.

Qualquer apresentação sobre o Afghan invariavelmente caí na questão do terreno, é uma região naturalmente dividida por montanhas que até 2001 praticamente não tinha estradas, durante a ocupação se fez um esforço, no sentido de resolver isso.  Contudo, na tática de guerrilha que impera entre as tribos da região, destruir e controlar essas poucas estradas é uma peça central na estratégia de controle das populações.

Outro ponto a se considerar é que a região é repleta cavernas, e o conhecimento desses sistemas era uma vantagem operacional absurda nessa técnica de guerrilha, e ainda é eficiente quando pensamos que cavernas são também proteções contra ataques de drone, que tem sido um operacional bastante utilizado nos últimos tempos entre as operações ocidentais.

Why Afghanistan Is Impossible to Conquer - YouTube

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É interessante observar como essa distribuição das tribos transgride fronteiras. O Taliban é majoritariamente Pashtun, seguindo uma linha Sunni numa linha Wahhabism - Wikipedia que vai em direção ao ultraconservadorismo. Esse approach já causou um enfraquecimento no suporte ao grupo no passado.

Muito da identidade das tribos Afghans gira ao redor da figura do guerreiro, defendendo a região contra invasores. É difícil falar numa identidade nacional Afghan com alguma uniformidade, geralmente a identidade está mais associada ao grupo tribal. Ponto interessante é que essa é uma peculiaridade Afghan, na medida em que as dinâmicas de identidade nacional são razoavelmente consolidadas na região ao redor das histórias de grandes líderes e impérios. O problema é que no caso Afegão, em boa parte da narrativa histórica eles estão resistindo a alguma dominação, e essa resistência acontece mais na forma do guerreiro tribal do que através de alguma estrutura de  estado nação. 

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Esse trecho realça um pouco uma outra dinâmica peculiar do Afghanistan, que é essa interação de uma dinâmica de guerreiro tribal com a religião. No caso Afegão, esses são eventos históricos ainda muito recentes, mesmo quando comparados aos outros países da região.

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Analyses - Madrassas | PBS - Saudi Time Bomb? | FRONTLINE | PBS

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Um ponto interessante pensando nessa dinâmica de colaboração da sociedade Afghan com o Taliban, é que mesmo sendo incerto quanto dessa colaboração é na verdade coerção; o Taliban se mostra como um grupo que já tem uma estrutura organizacional que lhe permite exercer controle sobre a sociedade. E o próprio exercício desse poder, foi elemento central no que tange a impedir que o governo de Kabul atingisse alguma legitimidade interna, isso enquanto perdia legitimidade diante da comunidade internacional.

No geral dá para continuar a mapear o Afeganistão e o Taliban, em várias dimensões ainda, no caso vou me limitar a indicar esse artigo 

Taliban:An organizational analisys

Taliban:An organizational analisys+Destaques (Com meus destaques)

No mais:


  • A consolidação do poder não vai ser um processo óbvio, vai depender muito do Taliban conseguir manter alguma coesão entre as células da base (ver o texto).



  • O Taliban é um fenômeno de um grupo de tribos que domina boa parte região, mas há outras tribos, com diferentes estruturas linguísticas e sociais, e todas armadas, então esse é um outro canal possível para surgir uma insurreição


  • ““Afghanistan is like a weapons depot,” he said. “There is no shortage of guns. Every household has them. Some are old AK-47s that people hid away from the last wars, others are more recent.”” Ref


  • No geral o sucesso/fracasso deste governo vai depender de como ele vai se equilibrar entre os centros poder do Muslim World (KSA e Iran). Apesar da atenção que Índia, Rússia e China têm ganhando nessa cobertura midiática, os únicos países com uma clara agenda para a região são KSA e Iran; geralmente essa agenda é executada através de proxyes. Bitter Rivals: Iran and Saudi Arabia, Part One (full film) | FRONTLINE - YouTube

  • Sobre a postura dos EUA, é razoável: O Afeganistão vinha sendo mais uma questão do UK+NATO, e principalmente depois da captura do Osama Bin Laden vinha sendo só mais questão de manutenção de statusquo. Fora que a saída dos EUA atende a um set de interesses regional, que pode favorece a retomada do acordo nuclear com o Iran.


Dica de Filme:

Zona Verde (2010) - IMDb

Vice (2018) - IMDb

Jogo de Poder (2010) - IMDb

Os três abordam diferentes ângulos da mesma história, e são bem complementares

17 julho 2021

Deixando de ser refém do noticiário



Elemento comum a qualquer pessoa viva na atualidade: acompanhar o noticiário. Mas como acompanhar o noticiário sem se tornar refém do fluxo de notícias? Um primeiro ponto para se ter em mente é que as notícias se tornam públicas, e passam a integrar o noticiário, na medida em que são apuradas. Então um primeiro passo para deixar de ser refém do noticiário é começar a entender qual o conhecimento as peças que aparecem esporadicamente no noticiário estão desenhando/formando. A partir desse desenvolvimento, quando as peças do noticiário, se tornam partes de um saber, o indivíduo ganha a possibilidade de antever os próximos desencadeamentos do noticiário.  


Soa abstrato, mas é até que bastante simples. Agora mesmo o noticiário está repleto de discussões e notícias sobre a falta de chuvas e o risco de crise energética. Para começar a antever os próximos desenvolvimentos na questão, e deixar de ser refém do fluxo de apuração do noticiário; o próximo passo natural é entender como funciona a geração de energia elétrica no Brasil, e em termos prático: quão expostos ao risco estamos?  


Construído o entendimento geral do sistema, eu particularmente, começo a procurar como os pequenos detalhes se encaixam nessa lógica geral. Em termos de metodologia cientifica/empirista, isso seria dedução, já que partimos de lógica geral para só então olhar os detalhes.  A indução seria o caminho inverso, na medida em que parte dos detalhes; no que tange a antever as discussões no noticiário não creio que seja uma metodologia eficiente. 


Dificilmente você vai conseguir encontrar qualquer coisa, enquanto busca por complexidade. Então busque por coisas idiotas e simples. Qualquer especialista dando entrevista, tende a estar mais preocupado com o próprio ego, do que com a informação sendo transmitida. Tendo isso em mente, ele enfoca na complexidade da informação sendo transmitida. No mundo real, em se tratando de fenômenos humano-sociais, dificilmente complexidade é útil pra explicar muita coisa. 


Quer ver um exemplo: Da pseudociência idolatrada por financistas, a análise técnica o que funciona melhor é o simples, justamente porque é a primeira coisa que as pessoas buscam institivamente. É a diferença de você procurar um livro secreto de análise técnica, que pouquíssimas pessoas conhecem, ou comprar o mais popular pra entender o que as pessoas vão estar procurando, baseado na metodologia do livro. Em última instância, você não está mais procurando pela “análise técnica”, mas sim como as pessoas que leram aquele livro vão construir um racional sobre o que está acontecendo no mercado. Em outras palavras como “pensam” os leitores desse livro, e como o conteúdo apresentado no texto influencia o seu decisionmaking? 


É hipotético, porque eu nem acho que exista um manual dominante em análise técnica. 


Mesmo no caso de algo como energia, teoricamente mais hardscience, é mais provável que falhas operacionais aconteçam porque duas pessoas não se gostam (um problema social de comunicação), do que por alguma complexidade técnica. 


 Então é sempre preferível buscar a simplicidade onde ninguém está olhando, do que um detalhe da complexidade para onde todos estão olhando. Isso no âmbito de fenômenos sociais estritamente humanos. 

Ainda na dinâmica de simplicidade ou complexidade. Entre especialistas, acadêmicos ou de mercado, o natural é uma busca cega pela complexidade...uma questão de ego..., mas bem verdade é que a construção de complexidade só deveria responder a demanda. Por exemplo: Eu tenho a teoria atômica da Grécia antiga, e todas as discussões atômicas da físico-química moderna. Mas a físico-química moderna responde a uma demanda moderna da geração de energia nuclear e da bomba atômica. E na maioria dos casos não científicos a complexidade é dispensável.  


No que tange a antever o noticiário, provavelmente o melhor seria uma busca bem seletiva por complexidade, partindo de um entendimento geral simples. 


Sobre apresentar alguma conclusão: é sempre interessante se limitar ao “explain like i'm five”, claro que diferentes audiências vão apresentar diferentes demandas por resposta; mas a dinâmica do “explain like i'm five” é útil na conquista da audiência e no processo de conduzir essa audiência a perguntas mais complexas. Claro que conhecer o interlocutor facilita no ajuste da oferta de complexidade, mas no mundo real é interessante ver como nomes conhecidos da economia, enquanto eulirico, são quase irreconhecíveis quando comparamos seus bestsellers com seus artigos científicos de periódico.