27 setembro 2020

A irracionalidade das relações globais

 


A grande realidade, que você precisa esquecer pra conseguir viver é que isso aqui não faz sentido nenhum. E em tempos que os mecanismos de Bretton Woods vão sendo testados, mas ainda se mostram resilientes em suas bases, é válido trazer a tona o Trump como alguém que joga luz nesse vazio existencial no qual a humanidade se insere. Se tem uma coisa que a economia ensina é que se não dá para manipular e testar, provavelmente não existe, mas em busca de achar alguma resposta, que em última instância é existencial, você ignora isso – Ceteris Paribus – e parte para o próximo estágio.


Quando fenômenos sociais como o Trump e o próprio Bolsonaro surgem eles se escoram no fato de que a sociedade é recheada de verdades amplamente aceitas, que pouca gente entende. É como se transitássemos de um cenário em que fingir entender para ser levado a sério perde relevância, a massa popular passa a se identificar com a ignorância que o Trump expressa, o perigoso plot twist é que a ignorância é motivo de orgulho.


Daí entre os lideres recém chegados, que não querem abraçar a ignorância – afinal não chegamos neste nível de conhecimento, através do orgulho de não entender as coisas – o que transpira é o vazio recheado de incertezas, com os tons de quero fazer a coisa certa. Aos poucos vai nascendo um novo tipo de politico que nos seus canais pessoais/sociais é muito transparente em suas incertezas. Isso é positivo, essa desconstrução de que as verdades são únicas, e que por simplesmente estarem no topo da cadeia alimentar social as pessoas simplesmente sabem o que fazer.


O Brasil é um lugar onde basta as pessoas falarem com convicção para que uma ideia seja abraçada. Você não precisa saber, mas precisa demonstrar convicção ao apresentar sua ideia. Uma espécie de curso de 40 horas de sofismo. É de se pensar que o fácil acesso a conhecimento fosse capaz de derrubar isso, mas a verdade é que ignorância alimenta ignorância, e uma história curta bem contada com palavras simples é bem mais digestível do que verdade uma cinza entremeada de detalhes.


O Trump no final das contas é só alguém que tinha dinheiro suficiente pra não precisar de dinheiro – e com isso vem o amplo acesso a mais dinheiro – e passou a vida navegando nesse mar de privilégios. Tinha alguma ambição de aceitação social, quase infantil, o que aliado a um discurso fácil que toca a ignorância interior do americano médio...Pronto temos um presidente.


O interessante nesse tipo de discurso é que na maioria das vezes ele é simples demais pra tá certo ou errado, é uma verdade rápida que o business mind aceita pra tirar alguma conclusão maior.


O que mais me fascina no meio de toda essa irracionalidade que viraram as relações internacionais, é o modo como a sociedade tem conseguido se manter estável. Num momento como esse muito se questiona Bretton Woods, e o peso que a economia americana ganha ali como fiador mundial, com um fundo com nome banco e um banco com nome de fundo. Mas a bem verdade é que a ideia de ter uma sociedade tão integrada que uma terceira guerra mundial fosse inviável,segue funcionando.


Acho que o único elemento que não foi planejado nessa integração, é que ela iria além da dimensão econômica. Hoje o globo vive basicamente sob uma única cultura, você pode ir da Thailandia a algum bairro rico do Nepal e conversar sobre Game of Thrones. Quando a sociedade atinge tamanha integração é difícil ver nacionalismos sendo mais que mera nostalgia, talvez seja por isso que sociedades como China e Rússia ainda insistam em ter sua própria internet. Se você extrapola a bolha cultural, o nacionalismo que mantém esses sistemas políticos, deixa de existir. Nos EUA e no Brasil esse nacionalismo é apenas uma nostalgia vazia. E aqui é interessante pensar em como a barreira para uma plena integração global não é econômica é mera e simplesmente uma barreira linguística. Só parar pra ver como o segredo é algo que praticamente inexiste no Estado americano, enquanto na China sem muito esforço, ninguém sabe muito em que pé as coisas vão por lá. Quanto ao Brasil, o mundo que já é indiferente, para no português.


A alta política mundial sempre foi uma salada sem muito sentido, o Trump entre resmungos e falas senis só fala em voz alta algo que as pessoas já sentiam, mas tinham receio de admitir. No fim tudo parece óbvio, até o que não é.

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