A
trama de West Morris “O embaixador” pode ser descrita de diversos modos, o que
talvez seja condizente a ambiguidade moral presente ao longo de toda a
narrativa o que fica claro na figura de um embaixador que vive uma crise existencial
após perder a esposa.
Ao
mesmo tempo, logo de cara somos colocados a frente de um homem que recebe
ordens do presidente, porém ao embarcar numa jornada espiritual, é repreendido por
seu mestre nessa busca espiritual. E a dimensão disso no personagem é confusa
para ele mesmo que confronta essa repreensão com sua função social no mundo:
“Tinha de aceitar a repreensão porque esse homem era o
mestre e eu o discípulo, mas não deixava de ser difícil de aceitar porque em
outro plano, eu era o grande homem, chamado pelo presidente de uma nação para
modificar se pudesse o curso da história. Meu orgulho clamava por libertação
quando a essa submissão...”
A
narração da trama é pela evolução do pensar de Maxwell Gordon Amberley, O
embaixador. Nas primeiras páginas já o encontramos após a jornada que irá
percorrer ao longo da trama. E todo o
tom da trama já é de imediato jogado quando o personagem define seu contexto,
ao desenhar o modo “frio e calculista”, que todos ao seus redor enxergam em sua
figura, mas ao mesmo tempo se indaga “...como podem conhecer a consciência intima
de Maxwell Gordon Amberley (que sou eu), quando ele próprio só a veio conhecer
tão tarde?˜. Uma
fala forte e ao mesmo tempo tão humana, e natural, numa precisão clássica do “é
o que é”. E de certo modo uma consequência direta dos dilemas que ele acaba de
enfrentar, concluir sua análise com essa pergunta. Em sua carreira de
embaixador, já não é usual que ele tenha tempo para dilemas morais, as questões
surgem, e exigem dele um nível de racionalidade que atinge a própria
amoralidade.
Apenas
problema e solução. O que fica claro no seu modo de entender o dilema que foi
indicado por Washington para responder:
“O comunismo pelo seu próprio evangelho mostrava-se
igualmente específico. A identidade do homem era afirmada e mantida apenas
por sua atividade coletiva. Ele era uma criatura dependente gerada do
caos e marchando para a extinção. Sozinho, estava condenado por toda a
vida a um deserto ameaçador, vitima de injustiça e exploração. Por isso, sua
identidade de participação útil na massa, mas tinha uma identidade e, sujeito a
conformar-se a ela, a massa o garantiria e protegeria. ”
Amberley
foi tirado de sua crise existencial e lançando em plena guerra do Vietnã, mais
especificamente no Vietnã do Sul. Onde o ditador Phung Van Cung, começa a
desafiar as ideias de liberdade vindas de Washington. Aqui a confusão se dá nos
conflitos de uma sociedade oriental dividida por religiões (Cung é católico), e
há significativa parcela da sociedade que é budista. Logo na chegada do
embaixador Amberley ao Vietnã do Sul todo esse contexto emerge:
“Não tínhamos ainda passado por ele quando o vi erguer o
vaso e derramar o conteúdo sobre a cabeça, como se estivesse executando uma
ablução ritual. O líquido escorreu-lhe pelo rosto e pelos ombros, manchando-lhe
o manto amarelo e o tapete onde se sentava. Depois colocou tranquilamente o
vaso no chão e tirou do manto um isqueiro. Ao acendê-lo houve uma explosão
abafada e todo o seu corpo se incendiou. “
A
intensidade da cena constrói a dimensão da transição que o embaixador enfrenta
logo em seus primeiros momentos no Vietnã do Sul.
Enquanto
se estabelece em sua nova posição, observamos a transição no estado interno de Amberley,
deixando de lado um estado de incerteza interna, para assumir uma postura
prática operacional que atingirá seu ápice quando a solução ao problema “Cung”
for de fato executada.
Ao
desembarcar no Vietnã Amberley ainda carrega um dilema, uma espécie de puzzle
mental que seu mestre lhe entregou, que irá ecoar na trama por diversos
momentos,
˜Que
fará quando lhe pedirem que mate o cuco?˜ . De modo que a própria jornada de
transição de Amberley irá circundar a resolução do Puzzle.
Nesse
desembarque a trama também introduz duas figuras, que serão peça acessória para
a compreensão do próprio Maxwell. A primeira é o general Tolliver, e é na
leitura que faz desse agente que começamos entender a própria atuação do
Embaixador “Era soldado astuto demais para mexer em politica com profissionais”.
A
outra figura é Harry Yaffa,um agente da CIA que é melhor definido em suas próprias
palavras, ainda em seus primeiros contatos com Amberley:
“Sejamos francos embaixador compreendamos claramente
quais as nossas funções. O senhor é o representante oficial dos Estados
Unidos. Eu tenho de servir de outro modo, como oportunista politico.
Há coisas que preciso fazer e nunca o senhor poderia aprovar, e por isso
é melhor que não saiba delas. Tenho de matar homens e subornar mulheres.
Tenho de fomentar um golpe, para garantir o êxito de outro, tomar
medidas antecipadas contra seu êxito e seu possível fracasso. Se quiser
amenizar sua consciência fazendo com que eu minta, sei fazer isso também e
sou até bom na mentira, mas prefiro não mentir, quando não é preciso.
Espero estar sendo claro. ”
A
dimensão da trama da trama emerge quando o embaixador indaga Yaffa quanto a sua
consciência: “Um luxo, Excelência. Descobri, há muito tempo, que não me podia
dar a ele.”.
Nessa
primeira interação entre os personagens, apreende-se o estranhamento que há
entre eles. Yaffa vê na figura de Maxwell um politico, que age sem sujar as mãos,
do outro lado o embaixador vivencia uma acelerada transição no seu estado de espirito. De modo que no desenvolver da trama, e com a
emergência de uma solução para o “problema Cung” observamos uma mudança no modo
de Yaffa encarar a figura de Amberley:
“– O senhor sabe embaixador? Eu o
subestimei. Permita dizer que o senhor é homem muito maior do que eu pensava.
– Obrigado pelo
elogio,Harry
– Não, estou sendo sincero! Este trabalho é arriscado, e bem
depressa separa os homens dos meninos. ”
Ao
conquistar a admiração de Yaffa, o Embaixador concluí sua transição, o que fica ainda óbvio no modo como ele irá
se portar em relação ao puzzle que lhe foi imposto pelo mestre.
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