21 novembro 2017

A trama de West Morris “O embaixador” pode ser descrita de diversos modos, o que talvez seja condizente a ambiguidade moral presente ao longo de toda a narrativa o que fica claro na figura de um embaixador que vive uma crise existencial após perder a esposa.

Ao mesmo tempo, logo de cara somos colocados a frente de um homem que recebe ordens do presidente, porém ao embarcar numa jornada espiritual, é repreendido por seu mestre nessa busca espiritual. E a dimensão disso no personagem é confusa para ele mesmo que confronta essa repreensão com sua função social no mundo:

“Tinha de aceitar a repreensão porque esse homem era o mestre e eu o discípulo, mas não deixava de ser difícil de aceitar porque em outro plano, eu era o grande homem, chamado pelo presidente de uma nação para modificar se pudesse o curso da história. Meu orgulho clamava por libertação quando a essa submissão...”  

A narração da trama é pela evolução do pensar de Maxwell Gordon Amberley, O embaixador. Nas primeiras páginas já o encontramos após a jornada que irá percorrer ao longo da trama.  E todo o tom da trama já é de imediato jogado quando o personagem define seu contexto, ao desenhar o modo “frio e calculista”, que todos ao seus redor enxergam em sua figura, mas ao mesmo tempo se indaga “...como podem conhecer a consciência intima de Maxwell Gordon Amberley (que sou eu), quando ele próprio só a veio conhecer tão tarde?˜. Uma fala forte e ao mesmo tempo tão humana, e natural, numa precisão clássica do “é o que é”. E de certo modo uma consequência direta dos dilemas que ele acaba de enfrentar, concluir sua análise com essa pergunta. Em sua carreira de embaixador, já não é usual que ele tenha tempo para dilemas morais, as questões surgem, e exigem dele um nível de racionalidade que atinge a própria amoralidade.

Apenas problema e solução. O que fica claro no seu modo de entender o dilema que foi indicado por Washington para responder:

“O comunismo pelo seu próprio evangelho mostrava-se igualmente específico. A identidade do homem era afirmada e mantida apenas por sua atividade coletiva. Ele era uma criatura dependente gerada do caos e marchando para a extinção. Sozinho, estava condenado por toda a vida a um deserto ameaçador, vitima de injustiça e exploração. Por isso, sua identidade de participação útil na massa, mas tinha uma identidade e, sujeito a conformar-se a ela, a massa o garantiria e protegeria. ”

Amberley foi tirado de sua crise existencial e lançando em plena guerra do Vietnã, mais especificamente no Vietnã do Sul. Onde o ditador Phung Van Cung, começa a desafiar as ideias de liberdade vindas de Washington. Aqui a confusão se dá nos conflitos de uma sociedade oriental dividida por religiões (Cung é católico), e há significativa parcela da sociedade que é budista. Logo na chegada do embaixador Amberley ao Vietnã do Sul todo esse contexto emerge:

“Não tínhamos ainda passado por ele quando o vi erguer o vaso e derramar o conteúdo sobre a cabeça, como se estivesse executando uma ablução ritual. O líquido escorreu-lhe pelo rosto e pelos ombros, manchando-lhe o manto amarelo e o tapete onde se sentava. Depois colocou tranquilamente o vaso no chão e tirou do manto um isqueiro. Ao acendê-lo houve uma explosão abafada e todo o seu corpo se incendiou. “

A intensidade da cena constrói a dimensão da transição que o embaixador enfrenta logo em seus primeiros momentos no Vietnã do Sul.

Enquanto se estabelece em sua nova posição, observamos a transição no estado interno de Amberley, deixando de lado um estado de incerteza interna, para assumir uma postura prática operacional que atingirá seu ápice quando a solução ao problema “Cung” for de fato executada.

Ao desembarcar no Vietnã Amberley ainda carrega um dilema, uma espécie de puzzle mental que seu mestre lhe entregou, que irá ecoar na trama por diversos momentos,
˜Que fará quando lhe pedirem que mate o cuco. De modo que a própria jornada de transição de Amberley irá circundar a resolução do Puzzle.

Nesse desembarque a trama também introduz duas figuras, que serão peça acessória para a compreensão do próprio Maxwell. A primeira é o general Tolliver, e é na leitura que faz desse agente que começamos entender a própria atuação do Embaixador “Era soldado astuto demais para mexer em politica com profissionais”.
A outra figura é Harry Yaffa,um agente da CIA que é melhor definido em suas próprias palavras, ainda em seus primeiros contatos com Amberley:

“Sejamos francos embaixador compreendamos claramente quais as nossas funções. O senhor é o representante oficial dos Estados Unidos. Eu tenho de servir de outro modo, como oportunista politico. Há coisas que preciso fazer e nunca o senhor poderia aprovar, e por isso é melhor que não saiba delas. Tenho de matar homens e subornar mulheres. Tenho de fomentar um golpe, para garantir o êxito de outro, tomar medidas antecipadas contra seu êxito e seu possível fracasso. Se quiser amenizar sua consciência fazendo com que eu minta, sei fazer isso também e sou até bom na mentira, mas prefiro não mentir, quando não é preciso. Espero estar sendo claro. ”

A dimensão da trama da trama emerge quando o embaixador indaga Yaffa quanto a sua consciência: “Um luxo, Excelência. Descobri, há muito tempo, que não me podia dar a ele.”.

Nessa primeira interação entre os personagens, apreende-se o estranhamento que há entre eles. Yaffa vê na figura de Maxwell um politico, que age sem sujar as mãos, do outro lado o embaixador vivencia uma acelerada transição no seu estado de espirito.  De modo que no desenvolver da trama, e com a emergência de uma solução para o “problema Cung” observamos uma mudança no modo de Yaffa encarar a figura de Amberley:

“– O senhor sabe embaixador? Eu o subestimei. Permita dizer que o senhor é homem muito maior do que eu pensava.
 – Obrigado pelo elogio,Harry
– Não, estou sendo sincero! Este trabalho é arriscado, e bem depressa separa os homens dos meninos. ”


Ao conquistar a admiração de Yaffa, o Embaixador concluí sua transição,  o que fica ainda óbvio no modo como ele irá se portar em relação ao puzzle que lhe foi imposto pelo mestre.

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